"...E as teias que vidram nas janelas

esperam um barco parecido com elas

Não tenho barqueiro nem hei-de remar

Procuro caminhos novos para andar



E É a pronúncia do Norte

Corre um rio para o mar..."


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

História à moda do Porto - Joaquim Guilherme Gomes Coelho aka Júlio Dinis



“Era uma das ultimas noites do carnaval de 1855.

Havia menos estrellas no céo, do que mascaras nas ruas. Fevereiro, esse mez inconstante como uma mulher nervosa, estava nos seus momentos de mau humor; mas, embora; o folgazão entrudo ria-se de taes severidades e dançava ao som do vento e da chuva, e sob o docel de nuvens negras que se levantavam do sul. Graças á cheia do Douro, a cidade baixa podia bem prestar-se n'aquella época a uma parodia do carnaval veneziano.”


Esta curiosa descrição do Carnaval de 1855 é, para os mais fervorosos adeptos da literatura portuguesa do século XIX, facilmente identificável. Foi redigido por um dos mais ilustres escritores nacionais e um portuense, que embora tenha morrido sem ter completado os 32 anos de vida, conseguiu, com as suas obras, o reconhecimento dos leitores ao longo dos séculos.

Falo obviamente do grande Joaquim Guilherme Gomes Coelho, mais conhecido pelo seu pseudónimo literário (Júlio Dinis), que para além de escritor foi igualmente médico e professor. Nascido no Porto a 14 de Novembro de 1839 na antiga Rua do Reguinho, não teve a mais fácil das infâncias, uma vez que logo aos 6 anos foi confrontado com a morte da sua mãe, vítima de tuberculose. Aliás, essa terrível doença, foi a responsável pela sua própria morte e dos seus 8 irmãos.

Após concluir o Liceu, matriculou-se na Escola Médico-cirúrgica do Porto em 1861. Finalizado o curso, desejou seguir a carreira de professor. Concorreu ao lugar de demonstrador na escola onde se tinha formado, mas apenas à 3ª tentativa logrou sucesso. Estávamos em 1865.

Cinco anos antes, em 1860, e dando asas ao gosto que sempre tinha demonstrado pela literatura, utilizou pela primeira vez o pseudónimo Júlio Dinis, quando enviou textos de poesia para a revista Grinalda. Embora ninguém o conhecesse, esses poemas foram um tremendo êxito junto dos leitores. Joaquim utilizou ainda o pseudónimo Diana de Aveleda para assinar pequenas narrativas (de que são exemplos “Os Novelos da Tia Filomena” e o “Espólio do Senhor Cipriano”,) que entregou ao Jornal do Porto.

Com vontade de escrever prosa, e inspirado ora pelos ambientes rurais (na sua grande maioria), ora por ambientes citadinos, Júlio Dinis criou algumas das obras mais lidas e marcantes da literatura portuguesa. “As Pupilas do Senhor Reitor”, “Uma Família Inglesa” ou “A Morgadinha dos Canaviais” são exemplo de títulos que não só acompanham o nosso imaginário, como também foram lidos pelos nossos avós, bisavós e tetravós, e certamente que farão parte da biblioteca dos nossos filhos ou netos. Obras de carácter intemporal, que não tendo sido agraciadas com prémios Nobel, propiciam certamente muito mais gozo na sua leitura do que alguns livros que obtiveram a referida distinção.

Atendendo à época em que viveu, seria natural situar Júlio Dinis no período do ultra-romantismo. Porém devido à influência do seu pai, também médico, e à sua educação científica, o escritor tinha uma visão do mundo mais real e verdadeira do que aquela que era característica dos autores ultra-românticos. O mais comum é identificar Júlio Dinis como o precursor da corrente literária conhecida como Realismo-Naturalismo, que teve em Eça de Queirós um dos seus mais distintos representantes.

Joaquim Guilherme Gomes Coelho morreu na madrugada do dia 12 de Setembro de 1871, na Rua Costa de Cabral na casa de uns primos, vítima de uma doença (tuberculose) que o foi enfraquecendo ano após ano, pese embora todas as tentativas de cura em ambientes rurais (Ovar e Funchal). Embora não tenham tido resultados significativos, esses curas de ares serviram de alavanca para a predominância dos ambientes rurais em detrimento dos ambientes citadinos, nos seus livros.

Dado o carácter intemporal das suas obras, não é de estranhar que o escritor tenha sido alvo de diversas homenagens póstumas. Na cidade do Porto, destacam-se a existência de uma rua com o seu nome (Rua Júlio Dinis), assim como busto em bronze, da autoria de João da Silva, financiado por subscrição pública, inaugurado em 1926 no Largo da Escola Médica, hoje denominado Largo Professor Abel Salazar. Júlio Dinis é ainda o nome da conhecida maternidade portuense situada no Largo da Maternidade.

Fica de seguida a listagem das suas principais obras e respectivas datas de edição:
•As Pupilas do Senhor Reitor (1867)
•A Morgadinha dos Canaviais (1868)
•Uma Família Inglesa (1868)
•Serões da Província (1870)
•Os Fidalgos da Casa Mourisca (1871)
•Poesias (1873)
•Inéditos e Esparsos (1910)
•Teatro Inédito (1946-47)

Para quem não conhecer ou para quem quiser recordar, deixo dois links de ebooks. Uma ajuda preciosa dos tempos informáticos em que vivemos, mas que nunca conseguirá substituir a deliciosa sensação de desfolhar um livro!!!

A Morgadinha dos Canaviais

Os Fidalgos da Casa Mourisca

Boas leituras !!!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

SCUT’s…e a anedota continua

Prezado leitor, prossigo no meu blog a luta contra a introdução das SCUT’s. Já em posts anteriores tive a oportunidade de fincar a minha posição, que no entanto irei recordar. Concordo com o princípio universal do utilizador pagador; no entanto, tendo os nossos extraordinários decisores optado há alguns anos atrás por criar as SCUT’s, penso que aplicar impostos de circulação em estrada supostas de utilização grátis, é no mínimo anedótico! Justifico isso com o facto da isenção de pagamento ter permitido o desenvolvimento de inúmeros sectores, algo a que seria difícil de se assistir se desde o início as portagens tivessem sido uma realidade.

Imbuído desse espírito anedótico, ontem o secretário de Estado das Obras Públicas não se fez rogado e em conferência de imprensa mostrou a sua capacidade para ombrear com qualquer cómico da nossa praça. Anunciou que no Grande Porto, vamos começar a ficar com os bolsos e a carteira mais leve a partir de 15 de Outubro. Soube-se igualmente, embora já fosse esperado, que vai haver isenções para uns, descontos para outros e comer e calar para uma imensa maioria. Penso que o ridículo nunca foi tão longe e para o demonstrar tentarei colocar o leitor na pele de duas personagens distintas.

Imagine o leitor que vive em Gaia e se pretende deslocar em trabalho para Paços de Ferreira. Seguindo pela A41/A42, vai pagar portagens, sem beneficiar de qualquer desconto ou isenção pois não é residente na capital do móvel ou arredores. Pelo contrário, se o leitor residir em Paços de Ferreira e se deslocar de e para o Gaia, a viagem pela A41/A42 já poderá ser feita com os privilégios acima citados. Isto é, dois portugueses, com o mesmo veículo e o mesmo trajecto, vão pagar valores diferenciados. Citei este exemplo, mas facilmente poderia escolher outras 2 localidades que espelhassem a rebaldaria que virá.

Ou seja, passamos de uma situação em que todos os utilizadores saiam beneficiados, para uma situação em que os privilégios apenas são concedidos a alguns. O caricato desta medida é tal, que se não fosse a gravidade da situação daria para rir às gargalhadas. Infelizmente, o caso não está para grandes celebrações e/ou manifestações de alegria.

Para além da patética discriminação que vai existir entre pessoas a viverem na mesma região metropolitana, a disparidade entre portugueses manter-se-á durante alguns meses, pois como se ficou a saber também ontem, o prazo para entrada em vigor do pagamento das SCUT’s não é igual para todas as regiões de Portugal.

Continuo a repetir, se é para pagar, temos de pagar todos. Agora andar com estas benesses só para garantir uns votos extra nas próximas eleições é que é vergonhoso!

Desafortunadamente porém, é certo que alguns eleitores irão cair na esparrela!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

AllPorto.? Não obrigado. PORTO sempre !

“O que muito viaja aumenta a sua sagacidade. Muita coisa vi nas minhas viagens, o meu conhecimento é maior do que as minhas palavras” (Texto bíblico)

Uma das mais recentes aberrações feitas à nossa estimada língua foi, para além do abrasileirado e vergonhoso acordo ortográfico que nos querem impingir, um golpe publicitário governamental e institucional que resolveu estrangeira a palavra Algarve e acrescentar-lhe mais um l, dando origem ao famigerado termo que serve de mote a um programa que pretende animar e dinamizar a região mais a sul de Portugal: Allgarve.

Sendo o Algarve a região que mais turistas atrai ao nosso país e a que recebe mais turistas portugueses, a criação do referido programa assemelha-se ao Robin dos Bosques do turismo mas com um intuito diametralmente oposto: neste caso desviam-se apoios que deveriam ser utilizados para fomentar o turismo em regiões mais desconhecidas, para promover o sul de Portugal, que já tem a sua quota-parte de hordas de turistas.

Infelizmente, todos nós sabemos que as mentes brilhantes que comandam a nossa Nação vão, constantemente, ano após ano, descansar (sim, porque eles trabalham imenso em prol dos 10 milhões de concidadãos) para o Algarve. Como se não existissem outras regiões bonitas no país. É óbvio que esta migração política a que se assistisse anualmente para o sul do país, tem como consequências programas como Allgarve e a dificuldade com que os nossos decisores se debatem para cobrar portagens nas SCUT’s algarvias, quando para a zona do Grande Porto a facilidade de decisão foi impressionantemente rápida e sem permitir opiniões discordantes.

Felizmente, existem noutros países pessoas que sabem que Portugal não é só o Algarve e Lisboa. Uma prestigiada revista de viagens argentina que em 2010 festeja os 20 anos de publicações, resolveu comemorar essa efeméride escolhendo 20 razões para viajar. O primeiro motivo dessa lista, segundo esta laureada revista, é a mui nobre e bela cidade Invitcta! Imagine-se que o Porto ficou à frente de lugares exóticos e massivamente publicitados como por exemplo a Polinésia Francesa!

Apenas por uma questão do acaso, tomei conhecimento desta escolha argentina. Ao contrário do que sucede quando por exemplo é elaborado um qualquer ranking de qualidade de vida (e Lisboa faz parte da lista), o alarido que esta notícia despertou, na nossa subserviente comunicação social e nos nossos talentosos políticos, foi ensurdecedoramente silencioso. Tal não é de estranhar, pois foi o Porto a ser distinguido e não o AllPorto!

A distinção obtida pelo Porto, o número crescente de turistas que optam por descobrir a nossa bela Cidade, o Minho e/ou as demais zonas do Norte de Portugal, têm vindo a sofrer um aumento consolidado ao longo dos últimos anos, pese embora a publicidade, feita pelos organismos nacionais, além fronteiras a estas regiões seja diminuta quando comparada com o que se gasta para promover o Allgarve. No entanto, o advento da sociedade da informação em que vivemos, permite o fácil acesso a informações, que não sendo de índole e organismos oficiais, despertam a curiosidade nos turistas e resultam na escolha do Porto e arredores como local para férias.

Viajar e conhecer novas culturas, mas sem esquecer o que de belo nós temos entre portas, é um vício que me orgulho de ter. Considero Paris, Londres ou Viena locais muito belos, da mesma maneira que não digo que não a um passeio até Chaves, Óbidos, Monsanto, Coimbra, Miranda do Douro e por aí fora.

A distinção que a revista argentina atribui ao Porto só me pode deixar extasiado de alegria. Por ser a minha cidade; por ter percorrido grande parte das suas ruas a pé vezes e vezes sem conta; pela beleza cénica que envolve a nossa urbe; pelos majestosos monumentos que a compõem; pela honestidade e pelo bem saber receber típico dos portuenses. No entanto, toda esta alegria é beliscada ao concluir que para grande parte dos nossos governantes, Almourol deve ficar em Marrocos, Monsanto é apenas um parque de Lisboa ou que Vila Pouca de Aguiar é um apelido de algum pseudo-membro da defunta nobreza portuguesa.

Se houvesse, por parte dos governantes, uma preocupação verdadeira em apresentar aos estrangeiros, e inclusive aos próprios portugueses, Portugal como sendo um todo e não apenas o Algarve e Lisboa, não tenho dúvidas que venceríamos mais prémios como aquele com que o Porto foi agraciado. Julgo que todos aqueles que conhecem minimamente Portugal, concordarão quando afirmo que temos um país belo, que em nada fica a dever aos grandes centros turísticos mundiais. O que necessitamos é que se governe sem palas nos olhos!

O melhor fica para o fim. A lista da revista Lugares pode ser encontrada aqui.

Bons passeios!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Vamos ajudar Lisboa, a cidade mais pobre de Portugal!



Durante as férias de Agosto, os Portuenses e por que não dizê-lo, até todos os portugueses, foram presenteados com uma notícia, cujo conteúdo não sendo uma novidade (em virtude de já terem acontecido no passado situações semelhantes), deixou muita gente incrédula e a pensar se não seria mais uma notícia própria da silly-season.

Infelizmente de silly, a notícia só tinha o conteúdo uma vez que a veracidade da mesma é indesmentível. De tão verdadeira que é, que sem grande surpresa da minha parte, mereceu um reduzidíssimo destaque na nossa pobre comunicação social, sempre pronta a prestar vassalagem aos interesses instalados na capital.

Que famigerada notícia é essa, estarão por certo a perguntar os leitores?

Sem mais demoras, segue-se o link para leitura ponderada da mesma pelos possíveis interessados.

Como se pode constatar da leitura atenta da notícia, foram desviados fundos das regiões mais pobres de Portugal (das quais infelizmente o Porto e o Norte fazem parte) para encher os bolsos, por natureza já a transbordar, de Lisboa. Correndo o risco de me repetir, e pedindo prévia desculpa por incorrer nessa falta, não me canso de afirmar que não é nada que não me surpreenda.

O histórico de constantes assaltos às regiões mais desfavorecidas do nosso burgo, vai-se sucedendo sem que grandes ondas sejam levantadas. Num simples exercício básico de informática, sugiro que o leitor experimente, no espaço de pesquisa de um qualquer motor de busca, colocar a expressão “desvio fundos Lisboa”. A proficuidade com que aparecem resultados associados a esse critério de pesquisa é assustadoramente elevada e reveladora da maneira de se governar e fazer política no nosso pequeno país à beira-mar plantado. Perante todas estas situações que vão sucedendo, urge voltar a repescar o tema da regionalização.

Desafortunadamente, todos nós sabemos o quão difícil essa missão se pode revelar, pois a vontade dos nossos políticos é, salvo honrosas excepções, evitar que se discuta esta matéria. A eventualidade de dividir o país em regiões administrativas apresenta-se aos olhos desses manhosos como factor destabilizador da coesão nacional.

Não podia ser uma opinião mais errada e desajustada, de acordo com o meu ponto de vista. Penso isso sim, que a existência de uma Regionalização, bem estruturada e aplicada, certamente iria funcionar como um precioso auxílio para evitar roubos como estes que constantemente são noticiados e dos quais, aparentemente, não existe ninguém a ser condenado (os verdadeiros condenados acabam por ser as pessoas da regiões mais empobrecidas, que, assistindo desesperadas à constante diminuição do seu poder de compra, são condenados a uma existência cada vez mais dura).

Para mal dos nossos pecados, enquanto a regionalização não for um facto consumado, iremos continuar a assistir a estes assaltos sectários, pois como todos nós sabemos, Lisboa é uma cidade muito pobre e o resto do País vive numa opulência capaz de causar inveja nos 4 cantos do Mundo.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Tempo...o cruel inimigo do sonho ?

“Porque o tempo é tão implacável, roubando-nos as oportunidades se não formos suficientemente rápidos para agarrá-las imediatamente?” (Liv Ulmann)



Domingo, 6 de Setembro de 2010 será uma data que jamais esquecerei.

Religiosamente e com esperança em assistir a mais um momento histórico e de glória para a cidade do Porto e para a sua colectividade desportiva mais representativa e amada, desloquei-me com a minha cara metade ao Dragão Caixa para assistir à última jornada do Torneio de Qualificação para a fase de grupos da Liga dos Campeões de andebol.

Impossibilitado, por motivos alheios à minha vontade de comparecer aos primeiros jogos deste torneio, foi com moderada satisfação que fui tomando conhecimento dos resultados do FCP nos jogos anteriores. Uma vitória e um empate deixaram tudo adiado para o último dia do Torneio.

A entrada no pavilhão, perto da hora aprazada para o início do desafio, já deixava transparecer o ambiente memorável que se prolongou quase durante 2 horas. Durante todo o jogo, o pavilhão lotado, não se cansou de apoiar os seus atletas, o seu clube e a sua Cidade! Vivi, e penso que felizmente não terei sido o único, momentos de exacerbada paixão clubística e terminei o jogo rouco de tanto gritar!

Escrevinhar algo sobre o sucedido ontem, poderá ser um bálsamo para amenizar a frustração sentida com o não atingir dos objectivos, especialmente quando eles tiveram a milésimos de segundo de se concretizar. Penso que é em momentos como este que paramos um bocadinho para pensar e nos damos conta do quanto qualquer instante da nossa vida e das nossas acções é de importância vital na nossa existência.

Uma fracção de tempo pode fazer de nós heróis ou vilões, pode-nos fazer alcançar o negócio de uma vida ou mergulhar num mar de dívidas sufocante. O tempo, implacável no seu movimento repetitivo e monótono, nunca volta para trás, mesmo que desejemos apagar nem que seja um milésimo de segundo. Pelo contrário, a inflexível linha temporal, a cada milésimo que avança vai-se imiscuindo no nosso ADN, ajudando a moldar a nossa personalidade e o nosso lugar no mundo.

Foi por um milésimo que ontem a Cidade não festejou um feito importante para o desporto portuense e nacional, um milésimo que entrou no nosso espírito e na nossa mente e dela já não sairá.

Obrigado a todos (atletas, treinador e adeptos) que ontem souberam demonstrar inequivocamente a fibra de lutadores, trabalhadores e campeões de que são feitos os verdadeiros portuenses!

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

História à modo do Porto - Rua 31 de Janeiro



Nesta edição da rubrica de história do blog, irei-me debruçar sobre a Rua 31 de Janeiro que, para mim, é uma das ruas que mais percorri a pé na cidade ao longo destes 28 anos de vida.

Guardo dela as melhores recordações da minha infância/adolescência nomeadamente da saudosa loja da Valentim de Carvalho, onde após afincadamente poupar o parco dinheiro das mensalidades, adquiria cd’s que ainda hoje me dão um gozo tremendo a ouvir. Também recordo com saudade, a alegria que sentia ao pensar que iria passar nessa Rua e saber que iria parar na montra da Costa Braga & Filhos e vislumbrar estandartes, galhardetes, pins ou bandeiras do FC Porto, sempre com a esperança que a bondade dos meus pais se traduzisse na compra de um desses adereços. O dinheiro não abundava mas mesmo assim lembro-me perfeitamente de num belo dia ter sido presenteado com um pin do maior clube do mundo e que ainda hoje guardo religiosamente! Quem não se recorda ainda das sumptuosas montras da Ourivesaria Machado? Ou da boutique Morgado, com os seus famosos sacos castanhos ?



O arruamento agora designado Rua 31 de Janeiro, foi mandado construir no longínquo ano de 1784 por João de Almada e Melo, que foi o grande obreiro da expansão urbana da cidade do Porto no século XVIII e o principal responsável pela organização da Baixa do Porto. O objectivo era estabelecer uma comunicação cómoda entre o bairro de Santo Ildefonso e o bairro do Bonjardim. O declive entre as extremidades da rua era tal que foi preciso construir um leito sobre túneis que dão ainda hoje passagem de um lado ao outro da rua. Na parte baixa o leito foi edificado em estacaria, por causa da mina do Bolhão que por aí corria para alimentar o convento da Avé Maria de S. Bento. Em 1805, a rua foi finalmente aberta ao público tendo sido designada como Rua Nova de Santo António. Santo António devido à existência da Igreja de Santo António dos Congregados; nova pois já existia uma rua dedicada ao santo, na Picaria.



O nome manteve-se inalterado até à implementação da República em Portugal, altura em que passou a ter a designação que hoje apresenta e que é uma homenagem à revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891, desencadeada como resposta ao Ultimato Inglês de 1890. Os portuenses, incrédulos com as cedências a que o Governo e a Coroa se submeteram por causa do famigerado Mapa Cor-de-Rosa, e adeptos fervorosos da liberdade e do republicanismo, tentaram um levantamento militar na madrugada do dia 31 de Janeiro.



Num momento crucial desse levantamento, a multidão com fanfarras, foguetes e vivas à República decide subir a Rua de Santo António em direcção à Praça da Batalha, com o objectivo de tomar a estação de Correios e Telégrafos. No entanto, o festivo cortejo foi barrado por um forte destacamento da Guarda Municipal, posicionada na escadaria da igreja de Santo Ildefonso, no topo da rua. O capitão Leitão, que acompanhava os revoltosos e esperava convencer a guarda a juntar-se-lhes, viu-se ultrapassado pelos acontecimentos. Em resposta a dois tiros que se crê terem partido da multidão, a Guarda solta uma cerrada descarga de fuzilaria vitimando indistintamente militares revoltosos e simpatizantes civis. A multidão civil entrou em debandada, e com ela alguns soldados.

Os mais bravos tentaram ainda resistir. Cerca de trezentos barricaram-se na Câmara Municipal, mas por fim, a Guarda, ajudada por artilharia da serra do Pilar, por Cavalaria e pelo Regimento de Infantaria 18, força-os à rendição, às dez da manhã. Terão sido mortos 12 revoltosos e feridos 40.

Alguns dos revoltosos conseguiram escapar, no entanto um grande número foi julgado e o fantasma da condenação desceu sobre inúmeros civis e 505 militares. Seriam condenados a penas entre 18 meses e 15 anos de degredo em África cerca de duzentas e cinquenta pessoas (na imagem alguns revoltosos presos entretidos a ler o jornal num navio rumo a Moçambique). Em 1893, alguns seriam libertados em virtude da amnistia decretada para os então criminosos políticos da classe civil.



Em memória desta revolta, logo que a República foi implantada em Portugal, a então designada Rua de Santo António foi rebaptizada para Rua de 31 de Janeiro, passando a data a ser celebrada dado que se tratava da primeira de três revoltas de cariz republicano efectuadas contra a monarquia constitucional (as outras seriam o Golpe do Elevador da Biblioteca, e o 5 de Outubro de 1910).

No entanto, o nome da rua ainda iria voltar à sua denominação original durante o Estado Novo, tendo recuperado o nome, que homenageia a revolução republicana, após o 25 de Abril.

Mas não só de revoltas e sangue, se conta a história desta rua. De facto, desde a sua abertura ao público e apesar da seu acentuado declive, que a Rua 31 de Janeiro ganhou foros de excelência e se estabeleceu como uma das ruas mais movimentadas e chiques do Porto, até meados dos anos 90 do século XX. Aí começou o declínio, tendo-se assistido ao progressivo encerramento dos estabelecimentos comerciais mais emblemáticos da rua.

Têm sido feitas diversas tentativas para reabilitar e revitalizar esta importante artéria urbana do Porto, de entre as quais posso destacar a reintrodução, em 2007, do eléctrico que para além de ajudar a vencer o declive, tem um potencial turístico considerável.



Infelizmente, por mais tentativas que se façam, a Rua 31 de Janeiro e até mesmo toda a baixa portuense, são vítimas da desertificação que o centro da cidade tem vindo a sofrer, pelo que se torna uma tarefa quase hercúlea recuperar a importância económica que a baixa do Porto (e por conseguinte a Rua 31 de Janeiro) tinha como motor da vida quotidiana da cidade.

No entanto eu, enquanto tiver pernas que me permitam, não deixarei de calcorrear a Rua 31 de Janeiro, para recordar momentos da minha vida, para homenagear os valentes portuenses que ali deram um exemplo de amor à Pátria ou pura e simplesmente para passear.

Quem se junta a mim nessa empreitada ?