quinta-feira, 2 de setembro de 2010
História à modo do Porto - Rua 31 de Janeiro
Nesta edição da rubrica de história do blog, irei-me debruçar sobre a Rua 31 de Janeiro que, para mim, é uma das ruas que mais percorri a pé na cidade ao longo destes 28 anos de vida.
Guardo dela as melhores recordações da minha infância/adolescência nomeadamente da saudosa loja da Valentim de Carvalho, onde após afincadamente poupar o parco dinheiro das mensalidades, adquiria cd’s que ainda hoje me dão um gozo tremendo a ouvir. Também recordo com saudade, a alegria que sentia ao pensar que iria passar nessa Rua e saber que iria parar na montra da Costa Braga & Filhos e vislumbrar estandartes, galhardetes, pins ou bandeiras do FC Porto, sempre com a esperança que a bondade dos meus pais se traduzisse na compra de um desses adereços. O dinheiro não abundava mas mesmo assim lembro-me perfeitamente de num belo dia ter sido presenteado com um pin do maior clube do mundo e que ainda hoje guardo religiosamente! Quem não se recorda ainda das sumptuosas montras da Ourivesaria Machado? Ou da boutique Morgado, com os seus famosos sacos castanhos ?
O arruamento agora designado Rua 31 de Janeiro, foi mandado construir no longínquo ano de 1784 por João de Almada e Melo, que foi o grande obreiro da expansão urbana da cidade do Porto no século XVIII e o principal responsável pela organização da Baixa do Porto. O objectivo era estabelecer uma comunicação cómoda entre o bairro de Santo Ildefonso e o bairro do Bonjardim. O declive entre as extremidades da rua era tal que foi preciso construir um leito sobre túneis que dão ainda hoje passagem de um lado ao outro da rua. Na parte baixa o leito foi edificado em estacaria, por causa da mina do Bolhão que por aí corria para alimentar o convento da Avé Maria de S. Bento. Em 1805, a rua foi finalmente aberta ao público tendo sido designada como Rua Nova de Santo António. Santo António devido à existência da Igreja de Santo António dos Congregados; nova pois já existia uma rua dedicada ao santo, na Picaria.
O nome manteve-se inalterado até à implementação da República em Portugal, altura em que passou a ter a designação que hoje apresenta e que é uma homenagem à revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891, desencadeada como resposta ao Ultimato Inglês de 1890. Os portuenses, incrédulos com as cedências a que o Governo e a Coroa se submeteram por causa do famigerado Mapa Cor-de-Rosa, e adeptos fervorosos da liberdade e do republicanismo, tentaram um levantamento militar na madrugada do dia 31 de Janeiro.
Num momento crucial desse levantamento, a multidão com fanfarras, foguetes e vivas à República decide subir a Rua de Santo António em direcção à Praça da Batalha, com o objectivo de tomar a estação de Correios e Telégrafos. No entanto, o festivo cortejo foi barrado por um forte destacamento da Guarda Municipal, posicionada na escadaria da igreja de Santo Ildefonso, no topo da rua. O capitão Leitão, que acompanhava os revoltosos e esperava convencer a guarda a juntar-se-lhes, viu-se ultrapassado pelos acontecimentos. Em resposta a dois tiros que se crê terem partido da multidão, a Guarda solta uma cerrada descarga de fuzilaria vitimando indistintamente militares revoltosos e simpatizantes civis. A multidão civil entrou em debandada, e com ela alguns soldados.
Os mais bravos tentaram ainda resistir. Cerca de trezentos barricaram-se na Câmara Municipal, mas por fim, a Guarda, ajudada por artilharia da serra do Pilar, por Cavalaria e pelo Regimento de Infantaria 18, força-os à rendição, às dez da manhã. Terão sido mortos 12 revoltosos e feridos 40.
Alguns dos revoltosos conseguiram escapar, no entanto um grande número foi julgado e o fantasma da condenação desceu sobre inúmeros civis e 505 militares. Seriam condenados a penas entre 18 meses e 15 anos de degredo em África cerca de duzentas e cinquenta pessoas (na imagem alguns revoltosos presos entretidos a ler o jornal num navio rumo a Moçambique). Em 1893, alguns seriam libertados em virtude da amnistia decretada para os então criminosos políticos da classe civil.
Em memória desta revolta, logo que a República foi implantada em Portugal, a então designada Rua de Santo António foi rebaptizada para Rua de 31 de Janeiro, passando a data a ser celebrada dado que se tratava da primeira de três revoltas de cariz republicano efectuadas contra a monarquia constitucional (as outras seriam o Golpe do Elevador da Biblioteca, e o 5 de Outubro de 1910).
No entanto, o nome da rua ainda iria voltar à sua denominação original durante o Estado Novo, tendo recuperado o nome, que homenageia a revolução republicana, após o 25 de Abril.
Mas não só de revoltas e sangue, se conta a história desta rua. De facto, desde a sua abertura ao público e apesar da seu acentuado declive, que a Rua 31 de Janeiro ganhou foros de excelência e se estabeleceu como uma das ruas mais movimentadas e chiques do Porto, até meados dos anos 90 do século XX. Aí começou o declínio, tendo-se assistido ao progressivo encerramento dos estabelecimentos comerciais mais emblemáticos da rua.
Têm sido feitas diversas tentativas para reabilitar e revitalizar esta importante artéria urbana do Porto, de entre as quais posso destacar a reintrodução, em 2007, do eléctrico que para além de ajudar a vencer o declive, tem um potencial turístico considerável.
Infelizmente, por mais tentativas que se façam, a Rua 31 de Janeiro e até mesmo toda a baixa portuense, são vítimas da desertificação que o centro da cidade tem vindo a sofrer, pelo que se torna uma tarefa quase hercúlea recuperar a importância económica que a baixa do Porto (e por conseguinte a Rua 31 de Janeiro) tinha como motor da vida quotidiana da cidade.
No entanto eu, enquanto tiver pernas que me permitam, não deixarei de calcorrear a Rua 31 de Janeiro, para recordar momentos da minha vida, para homenagear os valentes portuenses que ali deram um exemplo de amor à Pátria ou pura e simplesmente para passear.
Quem se junta a mim nessa empreitada ?
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