"...E as teias que vidram nas janelas

esperam um barco parecido com elas

Não tenho barqueiro nem hei-de remar

Procuro caminhos novos para andar



E É a pronúncia do Norte

Corre um rio para o mar..."


terça-feira, 2 de novembro de 2010

História à Moda do Porto - Cheias de 1909



Na ressaca deste fim-de-semana prolongado, onde a chuva, por vezes diluviana, caiu sem dar grandes tréguas, decidi pesquisar um pouco sobre as cheias no Douro e resolvi postar aqui um pequeno retrato das grandes cheias de 1909.

A tragédia, que bateu à porta dos portuenses no Natal de 1909, revelou-se como uma das maiores a atingir a cidade no século XX, provocando 8 mortes directas mas sendo responsável pelo suicídio de alguns mais, que vendo-se na miséria, optaram por terminar abruptamente com a sua sorte.

Com efeito, desde os começos de Dezembro que o Porto e toda a região duriense estavam debaixo de um verdadeiro dilúvio, com a chuva a cair incessantemente, empapando de água os campos de cultivo e engrossando o volume das águas dos pequenos rios e ribeiros afluentes do Douro que, ao desaguar neste, mais contribuíam para o aumento do caudal.

As crónicas da época não deixam dúvidas quanto ao tempo que se fazia sentir naquele Inverno de 1909, como se pode inferir do seguinte relato: "… o vendaval cada vez se torna mais forte; sopra rija ventania de sudoeste que está a provocar grande razia nas árvores da Cordoaria e do Passeio Alegre…".

Como a chuva não parasse de cair e o caudal do rio continuasse a aumentar, o Departamento Marítimo do Norte encerrou a barra no dia 20, impedindo a entrada e saída de navios e ordenou que se reforçassem as amarras dos que estavam ancorados junto das duas margens.

No dia 20 aconteceu o que há muito se previa: uma subida brusca das águas. Sem barragens para conterem a sua fúria e domesticarem a bravura das suas águas, o Douro obedecendo apenas à Natureza, ia galgando avidamente as margens e no dia 22 o cais de Monchique já estava alagado. Para além disso, a fábrica do Gás, situada em frente ao cais onde se embarcava para a Afurada, foi igualmente invadida pelas águas, e a cidade, que era iluminada a gás, ficou imersa na mais profunda escuridão.

No dia 23 a chuva parou de cair mas o caudal do rio continuou a aumentar. E subiu tanto que à uma hora da tarde desse dia estava a escassos oitenta centímetros do tabuleiro inferior da Ponte Luís I. Temeu-se o pior, ou seja, que a subida das águas continuasse e a força da corrente acabasse por derrubar o tabuleiro e com ele (pensava-se) a própria ponte. Numa tentativa de evitar essa catástrofe chegou a pensar-se em demolir o tabuleiro de baixo por meio de cargas explosivas. Felizmente essa medida drástica não teve que ser tomada.

Na manhã do dia 24 a cheia retrocede e no dia seguinte o Sol brilha radioso. Podia-se enfim, dar atenção ao Natal e aos desafortunados moradores ribeirinhos que tinham ficado sem lar, embora o caudal do Douro continuasse a causar algumas apreensões, porque, como escreveu um cronista que foi testemunha de muitos desses acontecimentos, "…o rio barrento, escuro, ruidoso, de aspecto lúgubre, sem aliás deixar de oferecer certa grandiosidade, ia arrastando nas águas revoltas tudo o que encontrava na passagem…".

Os prejuízos materiais e humanos, nas duas Ribeiras, a do Porto e a de Gaia, resultantes desta cheia foram devastadores. Entre vapores de carga, chalupas, iates, patachos, barcos de pesca e de recreio, afundaram-se ou saíram barra fora, desgovernados, por efeitos da enchente, nada mais, nada menos do que quarenta embarcações e mais treze rebocadores. Morreram oito pessoas, entre as quais figuravam três barqueiros e cinco tripulantes, incluindo o capitão, de um navio alemão que se afundou. Perderam-se também, de forma irremediável, mais setecentas pequenas embarcações entre caíques, barcaças e saveiros.

1 comentário:

  1. Visitando este espaço pela 1ª vez, como afeiçoado a tudo o que seja do Porto, como capital do meu distrito e sobretudo sede do meu F. C. Porto, saúdo o blog pela sua essência, com votos de longa vivência.

    Sendo hoje o dia do 7º aniversário do Estádio do Dragão, um dos melhores monumentos referenciais da Invicta, uma data que diz muito a todos os Portistas, como, no caso pessoal, que também recordo
    em

    http://longara.blogspot.com/

    Aquele dia, apesar daquele frio... tantas imagens... parecendo que estávamos num outro sítio... Quem não tem suas recordações disso tudo, desse dia, daquele acontecimento?!

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