"...E as teias que vidram nas janelas

esperam um barco parecido com elas

Não tenho barqueiro nem hei-de remar

Procuro caminhos novos para andar



E É a pronúncia do Norte

Corre um rio para o mar..."


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Mais uma distinção literária !



Depois de ter sido eleita como local ideal para férias por uma revista argentina da especialidade (podem recordar aqui), nova distinção vem cobrir a cidade do Porto com palavras elogiosas. Desta vez a honra vai toda para um dos edifícios emblemáticos da nossa cidade; a sua livraria mais conhecida e famosa por esse mundo fora. Refiro-me claro à Livraria Lello e à atribuição, pela conceituada editora Lonely Planet (conhecida pelos seus bons guias de viagem), do título de terceira livraria mais bonita do mundo, feito já alcançado em 2008 num ranking então elaborado pelo jornal britânico 'The Guardian'.

É mais um motivo de alegria para todos os portuenses e mais uma prova que no estrangeiro não andam a dormir, e pouco e pouco vão dando ao Porto o valor e a projecção que a cidade de facto merece. Imbuindo deste espírito literário, é com satisfação que faço uma pequena homenagem à Livraria Lello neste meu cantinho.

Para quem não sabe, a Livraria Lello situa-se na Rua das Carmelitas no número 144, ao cimo da Torre dos Clérigos e quase a chegar à Praça dos Leões, tendo o edifício actual sido inaugurado a 13 de Janeiro de 1906. No entanto, antes disso já se respirava tradição literária nesta zona da cidade pois em 1869 havia sido fundada por Ernesto Chardron, na Rua dos Clérigos, a Livraria Chardron. Como consequência do inesperado falecimento, aos 45 anos de idade, do fundador, foram diversos os proprietários que a livraria conheceu entre 1869 e 1894.

Em 1894 o imóvel foi vendido a José Pinto de Sousa Lello, que se dedicava ao comércio e importação de livros, possuindo já uma outra livraria na cidade, na Rua do Almada, em sociedade com o seu cunhado David Lourenço Pereira. Por morte deste último, José Pinto de Sousa Lello constituiu sociedade com o seu irmão António Lello, passando a livraria a designar-se Lello & Irmão, Lda.

O edifício actual, de carácter ecléctico, com fachada neogótica distinguida como Património Mundial, foi desenhado pelo engenheiro Francisco Xavier Esteves, destacando-se fortemente na paisagem urbana envolvente. A fachada apresenta um arco abatido de grandes dimensões, com entrada central e duas montras laterais. No segundo registo, três janelas rectangulares ladeadas por duas figuras pintadas por José Bielman, representando a Arte e a Ciência, respectivamente. Uma platibanda rendilhada remata as janelas, e a fachada termina em três pilastras encimadas por coruchéus, com vãos de arcaria de gosto neogótico. A decoração é complementada por motivos vegetais, formas geométricas e a designação "Lello e Irmão", sobre as janelas.

No interior, os arcos em ogiva apoiam-se nos pilares em que o escultor Romão Júnior esculpiu os bustos de escritores como Antero de Quental, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Teófilo Braga, Tomás Ribeiro e Guerra Junqueiro, sob baldaquinos rendilhados, de linguagem neogótica. O grande vitral, onde se pode ler a divisa "Decus in Labore", é uma das marcas mais significativas da livraria, pelas dimensões e riqueza de tons; tal como a escadaria de grandes dimensões, de acesso ao 1º piso, e os tectos trabalhados.

Um conjunto em que a arquitectura e os elementos decorativos deixam transparecer o estilo dominante naquele início de século. De facto, a Livraria Lello é um dos mais emblemáticos edifícios do neogótico portuense, ainda que ligeiramente tardio, mas em perfeita actualidade com algumas das tipologias estéticas da época, a que a literatura não foi alheia. A sua inauguração em 1906 causou um grande impacto cultural na cidade, tendo comparecido entre outros, Guerra Junqueiro, Afonso Costa e José Leite de Vasconcelos. A imprensa referiu-se-lhe com largo desenvolvimento, havendo a registar a cobertura feita pelos jornais A Voz Pública, O Primeiro de Janeiro, O Norte, Diário da Tarde, Jornal de Notícias, O Comércio do Porto e A Palavra, todos portuenses, e ainda, da capital, O Mundo, O Século, o Diário de Notícias, Correio da Europa, Ocidente. No Brasil a repercussão deste acontecimento propalou-se pelos jornais Gazeta de Notícias, do Rio de janeiro e pelo famoso periódico O Estado de S. Paulo.

Infelizmente com o passar dos anos e com um assustador distanciamento que os portugueses parecem demonstrar pelos livros, mas que felizmente tem vindo a ser combatido, a Livraria Lello foi perdendo o fulgor mas com uma grande vontade de não desistir e adaptar-se aos novos tempos, assistiu-se em 1994 ao restauro e modernização do seu interior - entretanto desgastado pelo tempo - quer pela remodelação dos seus núcleos de serviço, atendendo as solicitações actuais do mundo do livro e do público em geral.

A Livraria Lello de hoje não é uma FNAC (felizmente) mas não deixa de oferecer uma panóplia de serviços e actividades que merecem ser destacadas. Um fundo bibliográfico com mais de 60 000 títulos, um ficheiro informático que permitirá a identificação de qualquer obra editada em Portugal ou em país estrangeiro, desde que ligado à rede Edilivros (via telemática), uma secção de revistas periódicas e de especialidade, uma secção reservada a CD’s alinhados por áreas musicais e outra de livros antigos, com inestimável valor, organizada com, os fundos da antiga Livraria Chardron, são alguns das mais-valias que este espaço emblemático oferece.

Juntemos a isso uma Galeria de Arte permanente e de tertúlia entre intelectuais e estamos sem dúvida perante um dos pólos da vida cultural portuense, que merece a atenção e o carinho de todos nós. Apenas sinto que falta a este relevante espaço cultural uma página web que seja condizente com a imponência e importância da Livraria Lello e que possa servir como veículo extra de divulgação desta bela livraria em Portugal e no Mundo.

Como curiosidade, refiro que os restantes dois lugares do pódio foram ocupados pela livraria norte-americana City Lights Books sediada em São Francisco e pela argentina El Ateneo Grand Splendid sediada em Buenos Aires. A classificação completa pode ser encontrada aqui.

E agora que o Natal se aproxima a passos largos lanço um desafio. Se forem como eu, que acaba sempre por encontrar num livro uma boa prenda para oferecer a alguém, que tal deixar os insossos centros comerciais e fazer a compra na Livraria Lello? Não só oferecem um livro, como estão também a oferecer um presente com um intenso cheiro literário a cultura made in Porto.

Alguém aceita o meu desafio?

Boas leituras.

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